Polícia
Em juízo, réu admitiu ter efetuado disparos, mas alegou que queria apenas ‘assustar’ casal

Acusado de balear grávida e matar bebê é levado a júri em Nova Odessa

Homem responde por duas tentativas de homicídio qualificado e homicídio contra o bebê; os crimes ocorreram em maio de 2024, no Jardim São Manoel, em frente à residência das vítimas; companheiro da grávida também foi baleado

A Justiça de Nova Odessa decidiu que o homem acusado de atirar contra uma gestante de nove meses e seu companheiro em Nova Odessa irá a júri popular. A decisão da juíza Michelli Vieira do Lago Ruesta Changman, da 2ª Vara Judicial da cidade, pronunciou o réu por duas tentativas de homicídio qualificado contra a grávida e seu companheiro, e por homicídio contra o bebê que a mulher carregava no ventre e que acabou morrendo após o ataque.

O crime ocorreu em 2 de maio de 2024, na Rua Vitório Crispin, no Jardim São Manoel. Segundo o processo, a mulher, grávida de aproximadamente 38 semanas, estava sentada na frente de casa ao lado do marido e do cunhado, tomando uma bebida e conversando, quando o acusado passou diversas vezes de motocicleta em frente ao imóvel. Em um desses retornos, já a pé e armado com um rifle calibre .22, ele se aproximou e efetuou de quatro a cinco disparos na direção da vítima, atingindo-a em várias partes do corpo.

Em juízo, ela relatou que foi baleada na cintura, pulmão, braço, quadril e lateral da perna, contabilizando seis perfurações. Ela contou que, ao perceber os tiros, tentou entrar em casa, com medo de cair sobre a barriga, mas perdeu parte das lembranças a partir desse momento. Na época, estava com 38 semanas de gestação. O bebê chegou a nascer, mas, conforme laudo médico, nasceu sem sinais vitais, foi reanimado e levado à UTI neonatal, onde apresentou quadro grave de lesão hipóxico-isquêmica (falta de oxigênio), vindo a falecer pouco depois.

A vítima também afirmou que o acusado chegou a dizer, durante o ataque, a frase “você acabou com a minha vida”, reforçando, em sua visão, a ideia de vingança. Ela contou ainda que o réu passava com frequência em frente à residência, que sabia da gravidez e que, dias antes do crime, ouviu disparos na rua de trás. Para a vítima, a motivação teria relação com o fato de ela ter defendido a amiga e ex-companheira do acusado, em episódios anteriores.

O companheiro da vítima confirmou em juízo que, naquela noite, estava em casa com a esposa e o irmão, em seu dia de folga, bebendo na calçada. Ele relatou que o réu passou algumas vezes de moto pelo local e, em seguida, se aproximou a pé, armado. O marido da gestante disse que ouviu a companheira comentar que achava ter levado um tiro e, na sequência, viu o acusado apontando a arma em sua direção. Segundo o relato, a arma travou, o que impediu novos disparos, momento em que ele reagiu: pegou um tijolo ao lado de uma árvore e partiu na direção do atirador, iniciando uma luta corporal.

Ele relatou ainda que, durante a briga, o réu repetia que eles haviam acabado com sua vida. O homem afirmou que conseguiu desferir golpes com capacete contra o acusado e impedir que ele retomasse a bolsa de motoboy, enquanto tentava socorrer a esposa, caída no chão. O réu, segundo o marido da vítima, ainda subiu na motocicleta e ficou dando voltas na rua antes de deixar o local, até ser posteriormente contido e encaminhado às autoridades.

ADMITIU TIROS

Em suas declarações, o acusado admitiu o disparo de arma de fogo, mas disse que sua intenção era “apenas assustar” o casal, negando vontade de matar. Ele contou que é motoboy há mais de cinco anos, usuário de maconha e álcool, com histórico de consumo excessivo de bebida e uso de medicamento controlado. Admitiu antecedentes por furto em 2015 e envolvimento em outra investigação em 2023. O réu afirmou que teria adquirido o rifle .22 na praça do Jardim Alvorada, alegando que sofria ameaças, embora não tenha registrado boletim de ocorrência.

DINÂMICA DO CRIME

Sobre a dinâmica do crime, declarou que desceu da moto, montou a arma e realizou de quatro a cinco disparos, a uma distância de cerca de 15 a 20 metros, justificando que estava embriagado, possuía visão monocular e não enxergava bem quantas pessoas estavam no local. Reiterou que achava estar atirando na ex-companheira e que não sabia da gestação da mulher, versão que contrasta com o relato da vítima, que afirma que a gravidez era visivelmente aparente e conhecida na vizinhança.

Vizinhas e demais testemunhas ouvidas em juízo confirmaram que a mulher estava grávida, que o réu passava com frequência em frente à residência e que ouviram os disparos na madrugada do crime. Já a ex-companheira do acusado relatou ter mantido relacionamento de cerca de dois anos com ele, com quem teve um filho. Ela o descreveu como ciumento e controlador, e afirmou que ele culpava a vítima e o marido pelo fim do relacionamento, dizendo que eles haviam “acabado com a sua vida”. Na visão dela, o ataque teria sido uma forma de atingi-la indiretamente, mirando pessoas do seu círculo próximo.

Policiais que atenderam à ocorrência também foram ouvidos. Um investigador relatou que o réu se apresentou espontaneamente na delegacia após o crime, já ferido por uma queda na fuga, e foi mantido sob custódia da Guarda Municipal. No local dos fatos, a perícia recolheu uma carabina calibre .22, com capacidade para 8 a 10 disparos, compatível com o número de tiros relatado pelas vítimas. Outros agentes de segurança confirmaram a dinâmica da ocorrência, o socorro às vítimas e a gravidade do quadro da gestante, que precisou ser transferida ao Hospital Estadual Sumaré (HES) devido à extensão dos ferimentos.

MÉDICA AFIRMA QUE BEBÊ CHEGOU AO HES COM PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA

A médica ouvida como testemunha explicou que o bebê chegou ao hospital em parada cardiorrespiratória, foi reanimado e encaminhado à UTI neonatal, mas apresentou quadro grave de sofrimento por falta de oxigênio logo na primeira hora de vida, vindo a óbito apesar das medidas intensivas.

Por conta do conjunto de provas, a juíza entendeu que há materialidade do crime — comprovada por laudos médicos, necroscópico e balístico — e indícios suficientes de autoria que justificam o envio do caso ao Tribunal do Júri, órgão competente para julgar crimes dolosos contra a vida. A decisão de pronúncia não condena o réu, mas afirma que há elementos para que um corpo de jurados, composto por cidadãos, analise os fatos em plenário e decida sobre culpa ou inocência, além de eventual dosimetria da pena.

Na decisão, a magistrada ressalta que o juiz, nesta fase, faz apenas um “juízo de admissibilidade da acusação”, sem aprofundar o exame das provas, justamente para preservar a competência do Conselho de Sentença. Ela afastou teses de absolvição sumária, impronúncia ou desclassificação — como pretendia a defesa, que alegava insuficiência probatória e ausência de dolo de matar — entendendo que essas discussões devem ser levadas ao julgamento do júri popular.

PRISÃO PREVENTIVA

A juíza também decidiu manter a prisão preventiva do réu. Ela considerou que o crime imputado é de “extrema gravidade”, envolvendo disparos de arma de fogo contra uma mulher grávida e seu companheiro, em contexto de vingança e premeditação, com morte do bebê. O processo deverá ser redistribuído para a 1ª Vara Judicial de Nova Odessa, responsável pelo Tribunal do Júri, onde será designada a data do julgamento. Até lá, o réu segue preso preventivamente.        

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