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Lanna Vaughan Romano é advogada e Presidente da Comissão de Direito Médico da OAB/Sumaré

Coluna Direito Médico e da Saúde

O dilema da saúde no Brasil: o direito de um é o custo de todos?

O avanço da judicialização do acesso a tratamentos e medicamentos revela um conflito entre a garantia de um direito fundamental e a sustentabilidade do sistema de saúde

INTRODUÇÃO

Garantido pela Constituição de 1988 como um direito fundamental e dever do Estado, o acesso à saúde no Brasil ainda é uma promessa distante para muitos. Na falta de políticas públicas eficientes e diante da morosidade do sistema, milhares de cidadãos encontram no Poder Judiciário a única esperança de obter um tratamento, um medicamento ou uma cirurgia. Esse fenômeno, conhecido como judicialização da saúde, tornou-se um dos temas mais complexos e urgentes do direito e da administração pública no país.

O QUE É A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE?

Em termos práticos, a judicialização ocorre quando o cidadão, ou seu plano de saúde, recorre à Justiça para obrigar o Estado ou uma operadora privada a fornecer um serviço ou produto de saúde negado administrativamente. Esse caminho, embora legítimo e por vezes vital, gera uma série de consequências paradoxais: enquanto salva vidas individualmente, pressiona os cofres públicos, sobrecarrega o Judiciário e coloca em cheque a equidade do Sistema Único de Saúde (SUS), que precisa alocar recursos limitados para demandas ilimitadas.

O PAPEL DOS PLANOS DE SAÚDE E AS NEGATIVAS DE COBERTURA

No setor privado, a disputa se concentra nas negativas de cobertura pelas operadoras. Muitas vezes, a justificativa é a exclusão do tratamento do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). No entanto, os tribunais, especialmente o Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm firmado jurisprudência no sentido de que a palavra do médico assistente—aquele que conhece o paciente—deve prevalecer sobre listas genéricas, principalmente em casos de tratamentos essenciais à vida e à dignidade humana, amparando-se também no Código de Defesa do Consumidor.

O MÉDICO NO CENTRO DO CONFLITO

O fenômeno coloca os profissionais de saúde em uma posição delicada. Eles se veem na linha de frente, divididos entre o dever ético de prescrever o melhor tratamento para seu paciente e a realidade de um sistema com restrições orçamentárias. O Código de Ética Médica orienta a priorização do bem-estar do paciente, mas a pressão por contenção de custos é uma realidade inescapável, exigindo dos médicos um equilíbrio constante entre a ciência, a ética e a economia.

SUSTENTABILIDADE: COMO EQUILIBRAR A EQUAÇÃO?

O cerne da questão é: como garantir o direito individual sem comprometer o sistema coletivo? Não há respostas simples, mas caminhos possíveis são consenso entre especialistas:

Políticas Públicas Robustas: A melhoria da gestão e a atualização constante de protocolos clínicos pelo SUS e pela ANS podem reduzir a necessidade de judicialização.

Diálogo entre Saberes: É crucial uma maior interação entre juízes, gestores públicos e especialistas em saúde para que as decisões judiciais considerem não apenas o caso individual, mas também o impacto populacional e a viabilidade técnica.

Regulação Eficaz: Maior transparência e fiscalização sobre as operadoras de planos de saúde são essenciais para coibir negativas abusivas de cobertura.

A judicialização da saúde é, acima de tudo, um sintoma. Ela sinaliza as deficiências crônicas do Estado em garantir um direito constitucional. Superar este desafio exigirá um esforço conjunto e corajoso do Poder Público, do Judiciário, das operadoras e dos profissionais de saúde. O objetivo final deve ser claro: construir um sistema em que o acesso à saúde seja uma realidade para todos, não uma conquista apenas para aqueles que conseguem chegar até a porta de um tribunal.

*Lanna Vaughan Romano é advogada, inscrita na OAB/SP desde 2009, Presidente da Comissão de Direito Médico da OAB/Sumaré, pós-graduada em Direito da Farmácia e do Medicamento, Direito Médico, Direito Penal Econômico e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra-Portugal, Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina.

E-mail: dra.lannaromano@gmail.com

End.: Rua Dom Barreto, nº1.380, Centro, Sumaré/SP.

Rede social- instagram: dra.lanna_vaughan

 

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