Coluna Direito Médico e da Saúde
O dilema da saúde no Brasil: o direito de um é o custo de
todos?
O avanço da judicialização do acesso a tratamentos e
medicamentos revela um conflito entre a garantia de um direito fundamental e a
sustentabilidade do sistema de saúde
INTRODUÇÃO
Garantido pela Constituição de 1988 como um direito fundamental e dever do Estado, o acesso à saúde no Brasil ainda é uma promessa distante para muitos. Na falta de políticas públicas eficientes e diante da morosidade do sistema, milhares de cidadãos encontram no Poder Judiciário a única esperança de obter um tratamento, um medicamento ou uma cirurgia. Esse fenômeno, conhecido como judicialização da saúde, tornou-se um dos temas mais complexos e urgentes do direito e da administração pública no país.
O QUE É A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE?
Em termos práticos, a judicialização ocorre quando o cidadão, ou seu plano de saúde, recorre à Justiça para obrigar o Estado ou uma operadora privada a fornecer um serviço ou produto de saúde negado administrativamente. Esse caminho, embora legítimo e por vezes vital, gera uma série de consequências paradoxais: enquanto salva vidas individualmente, pressiona os cofres públicos, sobrecarrega o Judiciário e coloca em cheque a equidade do Sistema Único de Saúde (SUS), que precisa alocar recursos limitados para demandas ilimitadas.
O PAPEL DOS PLANOS DE SAÚDE E AS NEGATIVAS DE COBERTURA
No setor privado, a disputa se concentra nas negativas de cobertura pelas operadoras. Muitas vezes, a justificativa é a exclusão do tratamento do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). No entanto, os tribunais, especialmente o Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm firmado jurisprudência no sentido de que a palavra do médico assistente—aquele que conhece o paciente—deve prevalecer sobre listas genéricas, principalmente em casos de tratamentos essenciais à vida e à dignidade humana, amparando-se também no Código de Defesa do Consumidor.
O MÉDICO NO CENTRO DO CONFLITO
O fenômeno coloca os profissionais de saúde em uma posição delicada. Eles se veem na linha de frente, divididos entre o dever ético de prescrever o melhor tratamento para seu paciente e a realidade de um sistema com restrições orçamentárias. O Código de Ética Médica orienta a priorização do bem-estar do paciente, mas a pressão por contenção de custos é uma realidade inescapável, exigindo dos médicos um equilíbrio constante entre a ciência, a ética e a economia.
SUSTENTABILIDADE: COMO EQUILIBRAR A EQUAÇÃO?
O cerne da questão é: como garantir o direito individual sem
comprometer o sistema coletivo? Não há respostas simples, mas caminhos
possíveis são consenso entre especialistas:
Políticas Públicas Robustas: A melhoria da gestão e a
atualização constante de protocolos clínicos pelo SUS e pela ANS podem reduzir
a necessidade de judicialização.
Diálogo entre Saberes: É crucial uma maior interação entre
juízes, gestores públicos e especialistas em saúde para que as decisões
judiciais considerem não apenas o caso individual, mas também o impacto
populacional e a viabilidade técnica.
Regulação Eficaz: Maior transparência e fiscalização sobre
as operadoras de planos de saúde são essenciais para coibir negativas abusivas
de cobertura.
A judicialização da saúde é, acima de tudo, um sintoma. Ela
sinaliza as deficiências crônicas do Estado em garantir um direito
constitucional. Superar este desafio exigirá um esforço conjunto e corajoso do
Poder Público, do Judiciário, das operadoras e dos profissionais de saúde. O
objetivo final deve ser claro: construir um sistema em que o acesso à saúde
seja uma realidade para todos, não uma conquista apenas para aqueles que
conseguem chegar até a porta de um tribunal.
*Lanna Vaughan Romano é advogada, inscrita na OAB/SP desde
2009, Presidente da Comissão de Direito Médico da OAB/Sumaré, pós-graduada em
Direito da Farmácia e do Medicamento, Direito Médico, Direito Penal Econômico e
Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra-Portugal, Direito
Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina.
E-mail: dra.lannaromano@gmail.com
End.: Rua Dom Barreto, nº1.380, Centro, Sumaré/SP.
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