Coluna Direito Médico e da Saúde
Um simples equívoco em um atestado médico acendeu uma
discussão importante sobre erro material, ética profissional e segurança
jurídica na prática médica.
Na medicina, onde urgências não seguem horários de expediente e decisões precisam ser tomadas em minutos, um detalhe numérico em um documento pode desencadear um processo disciplinar. Foi exatamente isso que aconteceu em um caso recente: um atestado médico com data incorreta se transformou em denúncia por suposta “receita futura”, mesmo havendo atendimento comprovado e acompanhamento clínico legítimo.
Um erro de data, uma denúncia
O caso envolveu um paciente com quadro psiquiátrico grave,
atendido em uma sexta-feira e monitorado também no final de semana. O médico
agiu com responsabilidade: orientou familiares, recomendou afastamento
temporário das atividades profissionais e formalizou a conduta por meio de
atestado.
No entanto, a data impressa no documento acabou sendo
lançada de forma incorreta, um erro simples, que poderia ter sido corrigido
administrativamente. A parte empregadora, entretanto, utilizou a inconsistência
para apresentar denúncia junto ao Conselho Regional de Medicina do Estado de
São Paulo (CREMESP), dando início a uma sindicância ética.
O que diz o Direito Médico
O erro material é previsto no Código de Processo Civil, art.
494, como equívoco sanável que não compromete o conteúdo do ato. Trata-se de
situações como troca de datas, letras ou números, facilmente identificáveis,
sem qualquer intenção de fraude.
A falsidade, por sua vez, exige dolo: ausência de
atendimento, simulação ou vantagem indevida. Nesse caso, havia registro
clínico, relação médico-paciente estabelecida e uma conduta justificada por
risco à saúde e à segurança coletiva.
Medicina é sobre vidas, não apenas papéis
Na atuação médica, decisões muitas vezes são tomadas para
proteger o paciente e terceiros. No episódio relatado, o afastamento foi uma
medida preventiva e responsável, e o atestado ainda que com data incorreta
refletia um atendimento real. A denúncia não apenas ignorou o contexto clínico,
como também expôs a fragilidade de uma interpretação burocrática da medicina.
Como prevenir — e reagir
Para evitar que situações como essa se transformem em
processos injustos:
- Registre detalhadamente datas e circunstâncias no prontuário,
inclusive em atendimentos remotos;
- Formalize correções de erros assim que identificados;
- Em caso de sindicância, apresente prontuário e
comprovações clínicas
- Busque assessoria jurídica especializada para garantir uma defesa técnica adequada.
Um olhar mais equilibrado
Nem toda “receita futura” é fraude. A distinção entre erro material e ato ilícito é essencial para que o Direito Médico cumpra sua função: proteger a relação médico-paciente e dar segurança ao exercício profissional. Quando há boa-fé e atendimento real, a punição desproporcional enfraquece a prática clínica e gera insegurança para toda a categoria.
Conclusão
Erros acontecem. O que define as consequências é a forma
como interpretamos esses erros. Um número trocado não pode ter o mesmo peso que
uma conduta dolosa. Ao separar equívocos humanos de infrações éticas, o Direito
fortalece a medicina e garante que o foco continue onde deve estar: na
preservação da vida.
Lanna Vaughan Romano é advogada, inscrita na OAB/SP desde
2009, Presidente da Comissão de Direito Médico da OAB/Sumaré, pós-graduada em
Direito da Farmácia e do Medicamento, Direito Médico, Direito Penal Econômico e
Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra-Portugal, Direito
Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina.
E-mail: dra.lannaromano@gmail.com
End.: Rua Dom Barreto, nº1.380, Centro, Sumaré/SP.
Rede social- instagram: dra.lanna_vaughan

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