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Lanna Vaughan Romano é advogada e presidente da Comissão de Direito Médico da OAB/Sumaré

Coluna Direito Médico e da Saúde

Um simples equívoco em um atestado médico acendeu uma discussão importante sobre erro material, ética profissional e segurança jurídica na prática médica.

Na medicina, onde urgências não seguem horários de expediente e decisões precisam ser tomadas em minutos, um detalhe numérico em um documento pode desencadear um processo disciplinar. Foi exatamente isso que aconteceu em um caso recente: um atestado médico com data incorreta se transformou em denúncia por suposta “receita futura”, mesmo havendo atendimento comprovado e acompanhamento clínico legítimo.

Um erro de data, uma denúncia

O caso envolveu um paciente com quadro psiquiátrico grave, atendido em uma sexta-feira e monitorado também no final de semana. O médico agiu com responsabilidade: orientou familiares, recomendou afastamento temporário das atividades profissionais e formalizou a conduta por meio de atestado.

No entanto, a data impressa no documento acabou sendo lançada de forma incorreta, um erro simples, que poderia ter sido corrigido administrativamente. A parte empregadora, entretanto, utilizou a inconsistência para apresentar denúncia junto ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), dando início a uma sindicância ética.

O que diz o Direito Médico

O erro material é previsto no Código de Processo Civil, art. 494, como equívoco sanável que não compromete o conteúdo do ato. Trata-se de situações como troca de datas, letras ou números, facilmente identificáveis, sem qualquer intenção de fraude.

A falsidade, por sua vez, exige dolo: ausência de atendimento, simulação ou vantagem indevida. Nesse caso, havia registro clínico, relação médico-paciente estabelecida e uma conduta justificada por risco à saúde e à segurança coletiva.

Medicina é sobre vidas, não apenas papéis

Na atuação médica, decisões muitas vezes são tomadas para proteger o paciente e terceiros. No episódio relatado, o afastamento foi uma medida preventiva e responsável, e o atestado ainda que com data incorreta refletia um atendimento real. A denúncia não apenas ignorou o contexto clínico, como também expôs a fragilidade de uma interpretação burocrática da medicina.

Como prevenir — e reagir

Para evitar que situações como essa se transformem em processos injustos:

- Registre detalhadamente datas e circunstâncias no prontuário, inclusive em atendimentos remotos;

- Formalize correções de erros assim que identificados;

- Em caso de sindicância, apresente prontuário e comprovações clínicas

- Busque assessoria jurídica especializada para garantir uma defesa técnica adequada.

Um olhar mais equilibrado

Nem toda “receita futura” é fraude. A distinção entre erro material e ato ilícito é essencial para que o Direito Médico cumpra sua função: proteger a relação médico-paciente e dar segurança ao exercício profissional. Quando há boa-fé e atendimento real, a punição desproporcional enfraquece a prática clínica e gera insegurança para toda a categoria.

Conclusão

Erros acontecem. O que define as consequências é a forma como interpretamos esses erros. Um número trocado não pode ter o mesmo peso que uma conduta dolosa. Ao separar equívocos humanos de infrações éticas, o Direito fortalece a medicina e garante que o foco continue onde deve estar: na preservação da vida.

Lanna Vaughan Romano é advogada, inscrita na OAB/SP desde 2009, Presidente da Comissão de Direito Médico da OAB/Sumaré, pós-graduada em Direito da Farmácia e do Medicamento, Direito Médico, Direito Penal Econômico e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra-Portugal, Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina.

E-mail: dra.lannaromano@gmail.com

End.: Rua Dom Barreto, nº1.380, Centro, Sumaré/SP.

Rede social- instagram: dra.lanna_vaughan

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